sexta-feira, 16 de setembro de 2011

As Flores do Mal

MADRIGAL TRISTE

I

Que me importa que saibas tanto?

Sê bela e taciturna! As dores

À face emprestam certo encanto,

Como à campina o rio em pranto;

A tempestade apraz às flores.

Eu te amo mais quando a alegria

Te foge ao rosto acabrunhado;

Quando a alma tens em agonia,

Quando o presente em ti desfia

A hedionda nuvem do passado.

Eu te amo quando em teu olhar

O pranto escorre como sangue;

Ou quando, a mão a te embalar,

A tua angústia ouço aflorar

Como um espasmo quase exangue.

Aspiro, volúpia divina,

Hino profundo e delicioso!

A dor que o teu seio lancina

E que, quando o olhar te ilumina,

Teu coração enche de gozo!



II

Sei que o peito, que palpita

À sombra de amores passados,

Qual uma forja ainda crepita,

E que a garganta enfim te habita

Algo do orgulho dos danados;

Mas enquanto, amor, no que sonhas

Do inferno a imagem não for dada

E dessas visões tão medonhas,

Em meio a gládios e peçonhas,

De pólvora e ferro animada.

Sempre de todos te escondendo,

Denunciando em tudo a desgraça

E à hora fatal estremecendo,

Não houveres sentido o horrendo

Aperto do asco que te abraça,

Não poderás, rainha e escrava,

Que apenas me amas com pavor,

Nos abismos que a noite escava,

Dizer-me, a voz trêmula e cava:

"Sou tua igual, ó meu Senhor!"



                             Charles Baudelaire


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